Por Ana Karine Lorenzi
A chegada de uma criança enche de expectativas uma família. É a vida que se renova, que se mostra, se apresenta. A vida que oportuniza mudanças e surpresas. Quando chega uma criança, a família se vê e se reconhece, mostrando parte de sua história, de sua progressão, de suas possibilidades de futuro. Com o bebê, nasce um tempo novo, novas relações e condições de vida. Novos conceitos, novos assuntos e novos grupos sociais. Sim! Quantas novidades! Novidades? Isso mesmo! Ter um filho é a maior das novidades! Ninguém sabe quem será a pessoa que vai nascer ou que será integrada ao grupo familiar. É uma história que se vive e interpreta de “improviso”, não tem roteiro e nem ensaio. Mas a família espera, planeja e… se frustra também quando a pessoa esperada, quando o ser idealizado não chegou.
Avós, tios, primos, irmãos vivenciam, na maioria das vezes, a felicidade envolvida no nascimento de uma criancinha típica. Mas de repente, o nascimento não foi como era esperado… não nasceu a criança esperada… quem nasceu foi uma criancinha atípica. O que se planejou e desejou para a nova criança da família não vai mais se consolidar… ninguém se preparou para receber essa criança cheia de limitações. Como vai ser? Como serão as festas de família? E as viagens? Quem vai cuidar? Quem vai ajudar? E os tratamentos? Quem vai levar? Quem vai pagar? Essa criança vai ter quê tipo de vida?
A família não recebeu a criança esperada. A vovó sabe que um chazinho de ameixa ajuda um intestino preguiçoso a regular o funcionamento. Mas será que a criancinha que chegou pode tomar o chazinho da vovó? A titia deu o primeiro brigadeiro para todos os sobrinhos contrariando as irmãs e cunhadas. Mas essa criancinha de agora não pode comer brigadeiro… a restrição é orgânica, não é “frescura” de mãe. O vovô quer jogar o netinho para cima… mas ele é tão “molinho”… os irmãos querem brincar, mas o caçula não sabe, ele não entende as regras. A mãe não foi convidada para o grupo de whatsapp da escola porque as outras mães não “conheciam” seu filho. “Ele é novato???” O tio conta uma piada das melhores e todos caem na gargalhada, menos aquele filho da irmã mais velha. O pai quer ensinar todos os filhos a dirigir, mas um deles talvez não aprenda nem sair de casa sozinho. Os primos se reúnem para um cinema no fim de semana, mas um dos primos não vai… na dancinha da escola sempre tem um que ‘atrapalha’ e ele é da SUA FAMÍLIA… na formatura sempre tem um certificado de Honra ao Mérito que premia um estudante por seu esforço e não por seu desempenho …esse ‘diploma’ vai parar na parede da casa da SUA FAMÍLIA.
Não é difícil se reconhecer em pelo menos uma dessas situações se uma criancinha atípica faz parte da sua família. Mas não vamos esquecer que a dor de cada um é absolutamente pessoal, sem comparação, sem precedentes. Cada familiar vivencia seu encontro com seu parente especial de uma forma. Há pessoas que se envolvem, se preocupam, pesquisam e querem estimular, proteger, exaltando aquela pessoa dentre os demais. Há pessoas que se afastam, ignoram, talvez por sentirem um medo profundo das cobranças que essa relação acarretará. E há também aqueles familiares que apenas consideram a pessoa atípica como alguém que é parte da família; alguém que merece afeto, respeito e compreensão.
Agindo dessa forma, a família apoia a pessoa atípica! Não é enxergar uma síndrome, uma deficiência, uma dificuldade. É ver através disso! É ver uma pessoa, que tem um nome, uma história e muitas características que fazem dela única e especial. Assim é cada pessoa desse mundo: única e especial, independente de qualquer possibilidade de comparação.
A sociedade enxerga cada pessoa pelo olhar da própria família, primeiro grupo social de convivência do indivíduo. Dentro da família todos os comportamentos sociais aparecem e assim, o núcleo familiar se torna um treinamento para a vida. Para a pessoa com deficiência esse treinamento pode ser mais intenso e preponderante, pois a família é o esteio do desenvolvimento e precisa enxergar e criar formas do seu familiar ser visto por outros também. E não é difícil comprovar… a força de cada indivíduo atípico ou não, seu desenvolvimento frente à vida, começa na família. A resposta virá a partir desse empenho, dessa crença nas possibilidades. Os cuidados, o entendimento, a educação vão determinar quem essa pessoa será. De que forma ela refletirá e realizará tudo o que ela puder e desejar ser!
A dignidade de uma pessoa passa em primeiro lugar pela família. Com crianças atípicas isso fica ainda mais evidente, pois cuidar de alguém que exige tanto, que tem tantas demandas e necessidades que não são apenas as comuns, não é nada fácil. Mas assim são os desafios! A dignidade, além de seu aspecto moral, passa pelo direito constitucional do estado democrático. E quem pode fazer valer esse direito? A família. Em nome do amor, os melhores caminhos e as melhores opções podem ser encontrados. A palavra dignidade é derivada do latim dignitas e significa virtude, honra, consideração. Essas 3 palavras apresentam uma missão da família em relação ao seu ente querido, pessoa querida ou familiar amado. A missão é cuidar dessa pessoa que precisa de cuidados. Cuidar porque é digno e porque o cuidado confere dignidade.
De fato, a criancinha idealizada não chegou na família. Chegou uma criança diferente da esperada, da planejada. Talvez essa criancinha realmente não dê continuidade à família, talvez ela não tenha grandes feitos acadêmicos e profissionais, talvez ela não seja admirada por contextos extraordinários, talvez nada sobre essa criancinha seja semelhante ao que as outras mães comentam sobre seus filhos… talvez… talvez seja a hora da família acolher a criancinha que chegou com muito amor. Talvez seja hora de entender que 10 em matemática é muito bom, mas aprender a comer sozinha é muito bom também. Talvez seja maravilhoso fazer um intercâmbio, mas vestir-se sozinha é maravilhoso também. Talvez seja sensacional ser o orador na formatura, mas conseguir se comunicar sem falar uma só palavra é sensacional também.
A família vai entender que não precisa de classificação: típica ou atípica… toda família tem de tudo e o que faz com que ela seja especial é o sentimento de pertencimento. Sentimo-nos felizes quando fazemos parte! Uma criança atípica também faz parte e fica feliz por isso. Ela se vê, confia e se projeta em sua família que pode fazer com ela e por ela da mesma forma. Com carinho e dedicação, essa criança vai crescer muito feliz, superando todas as dificuldades. E certamente, alguém admirando as conquistas que ela terá, vai dizer: “Todo esse sucesso veio da persistência e da família maravilhosa que ela tem.”
Por Ana Karine Lorenzi